quarta-feira, 15 de maio de 2019

Entrevista com o autor e game designer Cezar Capacle!


People, hoje apresento mais uma entrevista, dessa vez com o grande Cezar Capacle, que entre outros trabalhos criou a magnífica versão solo do Movin"On!

Uma entrevista muito bacana e esclarecedora! E se você não conhece o Movin"On solo, pare tudo e vá lá no Dungeonist garantir sua cópia aqui: Movin'on solo 



Olá, grande Cezar! Tudo joia? Segue aqui as perguntas, sinta-se livre para responder da forma que achar melhor, seja de forma monossilábica, ou com respostas que mais se pareçam teses de doutorado, o espaço é todo seu!

  1. Antes de mais nada, Cezar, conte um pouco para nós como foi o seu primeiro contato com o RPG

Rapaz, isso vai denunciar a idade, hehehe… eu tinha 12 anos e um amigo me chamou pra “jogar um jogo” na casa de um conhecido dele. Cheguei lá e vi o First Quest em cima da mesa. Aquelas fichas ilustradas, algumas miniaturas… o mestre ainda desenhava alguns dos monstros! Cara, fiquei fascinado. Lembro até hoje do CD que vinha com o jogo… e lá se vão mais de 20 anos! Me encantei com a possibilidade de criar mundos, personagens e aventuras. Posso dizer que foi amor à primeira vista.

2.            Quais sistemas você mais jogou? Quais você mais gosta?

Acho que AD&D naqueles tempos e FATE hoje em dia. Nunca fui muito de jogar uma coisa só. Sempre brinco que, mesmo se eu quisesse jogar só jogos incríveis que nunca joguei a partir de agora, não teria tempo de vida suficiente pra jogar todos. Não vejo muito sentido em ficar jogando a mesma coisa a vida inteira com tanta coisa boa pra conhecer por aí.

Se eu fosse citar alguns dos jogos que gosto muito — pegando o que lembro de cabeça e certamente cometendo injustiças com meu próprio gosto —, incluiria FATE Acelerado, Dungeon World, Freeform Universal, Lady Blackbird e Mouse Guard.

3.            Se você tivesse que recomendar um sistema para uma galera que esteja começando, qual seria?

Essa é uma pergunta bem delicada de se responder e uma com a qual eu acredito que precisamos ter muito cuidado.

É muito fácil responder “pega sistema X” ou “vai de Y que não tem erro” e ignorar uma questão básica: que tipo de experiência esse novato deseja? Quais histórias ele quer contar? Isso é a primeira coisa a se pensar.

Como premissa básica, procuro apontar para jogadores novatos sistemas mais simples e maleáveis, e com mecânicas modernas. Não me parece sensato recomendar tomos de 900 páginas da década de 90 como um bom jogo para iniciantes. Jogos mais recentes tendem a incluir questões importantes como segurança à mesa, acessibilidade e inclusão, e boas práticas de design acumuladas ao longo das últimas décadas. Se alguém tem a chance de começar a jogar já com essa bagagem, por que desperdiçar essa oportunidade?

Dito isso, tenho na manga algumas recomendações, dependendo do que a pessoa pede. FATE Acelerado é uma delas, Calisto é outra, os meus minijogos Presto! e 50-50 aparecem também. Mas eu sempre procuro customizar a resposta para cada situação.

4.            Falando sobre o Movin’ On solo, você poderia nos contar um pouco sobre como foram os “Bastidores” do jogo? Como foi que você se envolveu no projeto?

Conheço o Diego Azevedo, autor do projeto, de alguns grupos de RPG em comum. Eu sempre acompanhei as produções do estúdio dele, e ele as do meu. Quando ele estava formatando a campanha de financiamento coletivo para o Movin’ On , ele me procurou e generosamente ofereceu a oportunidade de desenvolver algum conteúdo para uma das metas extras do financiamento. E mais: ele me deu liberdade total para propor o que eu quisesse!

Naquele momento, eu estava consumindo bastante material de RPG solo da nossa comunidade, e daí me ocorreu de propor um conteúdo solo como meta extra. Ele comprou a ideia na hora e eu aceitei o desafio, pois nunca havia feito nada parecido na vida!

5.            Quanto tempo você levou para escrever o Movin’on?

Se se contar apenas a produção do conteúdo em si, não deve ter passado de duas a três semanas. Mas o processo criativo não funciona exatamente assim. Ao todo, devem ter sido uns cinco meses de pesquisas de referência, testes, idas e vindas, e muita, muita reflexão!



6.            O Movin’ On solo pode ser jogado apenas com o PDF, ou dentro de uma plataforma online interativa muito bacana, com vários elementos, como sonorização! Como surgiu a ideia de fazer algo tão diferente?

Resposta honesta: não sei! Hahaha… Entre o convite do Diego e minha resposta com a proposta foram exatamente 12 minutos! Acho que essa ideia de explorar outras maneiras de se jogar RPG, outras plataformas para distribuir conteúdo, e principalmente outro modo de aprender o jogo já estava na minha cabeça há algum tempo. E o tema do Movin’ On ajudou bastante nesse sentido: uma pessoa fugindo de um perseguidor em um filme de terror é um prato cheio tanto para o jogo solo quanto para recursos audiovisuais diferentes.

Acho que tem todo um campo a se explorar acerca da maneira como consumimos, aprendemos e jogamos RPG. RPG é um jogo louco porque em geral ele só existe enquanto é jogado, né? O suporte em livro são apenas as regras, e existe ainda hoje essa distinção entre o jogo escrito (o livro de regras) e o jogo jogado (a experiência na mesa). No Movin’ On Solo, quis borrar essa divisão e propor que o jogador não precisaria saber nada, em absoluto, sobre as regras antes de jogar. E isso só seria possível em uma plataforma eletrônica.

7.            Como foi o desenvolvimento dessa versão online?

Cara, foi um desafio tremendo, não posso mentir. A plataforma que eu escolhi (Twine) facilita bastante o trabalho, mas tive que estudar um pouco da linguagem de programação dela, suas limitações e recursos, e sua lógica de construção. Mas também foi muito satisfatório. A cada nova passagem que eu montava, conseguia imaginar a experiência do jogador passando por aquelas situações…

A própria proposta para o jogo mudou bastante ao longo do desenvolvimento. Ela quase virou um livro-jogo por um momento, mas em uma certa altura me deu um estalo de como transformar essa estrutura eletrônica em um sistema de RPG solo completo, em que fosse possível vivenciar aventuras completamente diferentes a cada vez que se joga. Desse momento em diante, o desenvolvimento fluiu muito rápido.

E, claro, gastei um tempo absurdo escolhendo as fontes, os fundos de tela e as cores, para que esses elementos também fossem capazes de guiar o jogador pela experiência. As músicas foram o toque final, e eu tentei escolher texturas sonoras que condissessem com cada momento do jogo: uma falha, um sucesso, uma tensão maior. É um baita trabalho, mas é muito gratificante.

8.            Quais obras – filmes e livros, ou mesmo séries – você acredita que tem o mesmo clima que o Movin’ On solo é capaz de passar?

Esse foi mais um dos desafios de desenvolvimento, porque eu pessoalmente não sou um consumidor desse tipo de ficção. Então, para reproduzir os chavões do gênero, eu passei um bom tempo pesquisando na internet e também assistindo a série Slasher, do Netflix, que me parece congregar vários dos clichês do gênero.

Mas acredito que o Movin’ On Solo emula bem uma parte desses filmes como Sexta-feira 13 ou A Hora do Pesadelo, nomeadamente aquele momento em que apenas uma das vítimas se vê sozinha fugindo do perseguidor. Essa cena da pessoa correndo, sem fôlego, era o que eu tinha gravado no fundo da cabeça durante todo desenvolvimento do jogo.

9.            Falando especificamente sobre o RPG solo, Cezar, como foi seu primeiro contato com essa modalidade?

Foi até anterior à modalidade em grupo, apesar de eu não saber disso à época. Quando estava na sétima série, encontrei na biblioteca da escola alguns daqueles livros da série ”Escolha a Sua Aventura”. Devorei todos em algumas semanas. Depois disso, passei a fazer experiências parecidas com mundos que eu mesmo criava. Desenhava o mapa de fantasia e ia tomando as decisões dos personagens, sem nenhuma regra ou sistema.

Só muito tempo depois eu vim a saber dos sistemas de RPG solo propriamente ditos; quando li Ironsworn, me apaixonei imediatamente. Pouco tempo depois, descobri o grupo RPG solo por meio de um comentário que você fez no grupo Indie RPG. Daí sim mergulhei de cabeça e até hoje investigo os limites do potencial dessa modalidade.

10.         Quais seus RPGs solo favoritos?

Ironsworn tem um lugar guardado no meu coração. Acho a construção do jogo como todo fantástica, e é minha referência para diversos projetos que desenvolvo (inclusive para o oráculo de Movin‘ On Solo). Agora me apaixonei pelo Ronin. Acho que o Tiago acertou a mão nessa proposta. É o tipo de jogo solo que mais me atrai: aquele em que se criam narrativas com drama, profundidade de personagem e conflitos interpessoais, tudo surgindo naturalmente porque o sistema te dá essas ferramentas (a tal da narrativa emergente). Simplesmente fantástico! Fiquei muito feliz com o resultado do financiamento coletivo, e não vejo a hora de ter minha cópia.

11.         Aqui, finalmente, um espaço que é todo seu! Pode colocar contatos, falar de suas outras criações, discursar sobre o universo...ou mesmo fazer tudo isso ao mesmo tempo. Seja livre, cara, o espaço é seu!
Nós humanos somos concebidos para criar e contar histórias. Desde os mitos tribais passados de geração para geração ao redor da fogueira até os grandes épicos cinematográficos, nós temos essa necessidade intrínseca. Tanto é que quando vamos dormir e descansar, o que o nosso cérebro faz? Cria mais histórias, que vivenciamos pelos sonhos.
Estou dizendo isso para convidar os leitores do seu blog a sempre vivenciar novas histórias. Experimentem, convidem novos jogadores, joguem novos sistemas. Na minha opinião, RPG só é nicho por falta de exposição e oportunidade, porque o fascínio pela criação coletiva ou individual de mundos e histórias está amarrada em nosso subconsciente desde que a gente é gente. Joguem mais. Joguem sempre.
Se quiserem conhecer meus joguinhos, podem visitar a página do Not A Giraffe Studio no facebook ou me chamar nas interwebs da vida. Se for pra falar de game design, então, não tem tempo ruim!
Obrigado pelo espaço, Tarcisio, e pelo trabalho diligente que você faz pelo nosso hobby querido.


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