People, hoje apresento mais uma entrevista, dessa vez com o grande Cezar Capacle, que entre outros trabalhos criou a magnífica versão solo do Movin"On!
Uma entrevista muito bacana e esclarecedora! E se você não conhece o Movin"On solo, pare tudo e vá lá no Dungeonist garantir sua cópia aqui: Movin'on solo
Olá, grande Cezar! Tudo joia? Segue aqui as perguntas, sinta-se livre
para responder da forma que achar melhor, seja de forma monossilábica, ou com
respostas que mais se pareçam teses de doutorado, o espaço é todo seu!
- Antes de mais nada, Cezar, conte um pouco para nós como foi o seu
primeiro contato com o RPG
Rapaz, isso vai denunciar a idade, hehehe… eu tinha 12 anos e um amigo
me chamou pra “jogar um jogo” na casa de um conhecido dele. Cheguei lá e vi o
First Quest em cima da mesa. Aquelas fichas ilustradas, algumas miniaturas… o
mestre ainda desenhava alguns dos monstros! Cara, fiquei fascinado. Lembro até
hoje do CD que vinha com o jogo… e lá se vão mais de 20 anos! Me encantei com a
possibilidade de criar mundos, personagens e aventuras. Posso dizer que foi
amor à primeira vista.
2.
Quais sistemas você mais jogou? Quais você mais gosta?
Acho que AD&D naqueles tempos e FATE hoje em dia. Nunca fui muito de
jogar uma coisa só. Sempre brinco que, mesmo se eu quisesse jogar só jogos
incríveis que nunca joguei a partir de agora, não teria tempo de vida
suficiente pra jogar todos. Não vejo muito sentido em ficar jogando a mesma
coisa a vida inteira com tanta coisa boa pra conhecer por aí.
Se eu fosse citar alguns dos jogos que gosto muito — pegando o que
lembro de cabeça e certamente cometendo injustiças com meu próprio gosto —,
incluiria FATE Acelerado, Dungeon World, Freeform Universal, Lady Blackbird e
Mouse Guard.
3.
Se você tivesse que recomendar um sistema para uma galera que esteja
começando, qual seria?
Essa é uma pergunta bem delicada de se responder e uma com a qual eu
acredito que precisamos ter muito cuidado.
É muito fácil responder “pega sistema X” ou “vai de Y que não tem erro”
e ignorar uma questão básica: que tipo de experiência esse novato deseja? Quais
histórias ele quer contar? Isso é a primeira coisa a se pensar.
Como premissa básica, procuro apontar para jogadores novatos sistemas
mais simples e maleáveis, e com mecânicas modernas. Não me parece sensato
recomendar tomos de 900 páginas da década de 90 como um bom jogo para
iniciantes. Jogos mais recentes tendem a incluir questões importantes como
segurança à mesa, acessibilidade e inclusão, e boas práticas de design
acumuladas ao longo das últimas décadas. Se alguém tem a chance de começar a
jogar já com essa bagagem, por que desperdiçar essa oportunidade?
Dito isso, tenho na manga algumas recomendações, dependendo do que a
pessoa pede. FATE Acelerado é uma delas, Calisto é outra, os meus minijogos
Presto! e 50-50 aparecem também. Mas eu sempre procuro customizar a resposta
para cada situação.
4.
Falando sobre o Movin’ On solo, você poderia nos contar um pouco sobre
como foram os “Bastidores” do jogo? Como foi que você se envolveu no projeto?
Conheço o Diego Azevedo, autor do projeto, de alguns grupos de RPG em
comum. Eu sempre acompanhei as produções do estúdio dele, e ele as do meu.
Quando ele estava formatando a campanha de financiamento coletivo para o Movin’
On , ele me procurou e generosamente ofereceu a oportunidade de desenvolver
algum conteúdo para uma das metas extras do financiamento. E mais: ele me deu
liberdade total para propor o que eu quisesse!
Naquele momento, eu estava consumindo bastante material de RPG solo da
nossa comunidade, e daí me ocorreu de propor um conteúdo solo como meta extra.
Ele comprou a ideia na hora e eu aceitei o desafio, pois nunca havia feito nada
parecido na vida!
5.
Quanto tempo você levou para escrever o Movin’on?
Se se contar apenas a produção do conteúdo em si, não deve ter passado
de duas a três semanas. Mas o processo criativo não funciona exatamente assim.
Ao todo, devem ter sido uns cinco meses de pesquisas de referência, testes,
idas e vindas, e muita, muita reflexão!
6.
O Movin’ On solo pode ser jogado apenas com o PDF, ou dentro de uma
plataforma online interativa muito bacana, com vários elementos, como sonorização!
Como surgiu a ideia de fazer algo tão diferente?
Resposta honesta: não sei! Hahaha… Entre o convite do Diego e minha
resposta com a proposta foram exatamente 12 minutos! Acho que essa ideia de
explorar outras maneiras de se jogar RPG, outras plataformas para distribuir
conteúdo, e principalmente outro modo de aprender o jogo já estava na minha
cabeça há algum tempo. E o tema do Movin’ On ajudou bastante nesse sentido: uma
pessoa fugindo de um perseguidor em um filme de terror é um prato cheio tanto
para o jogo solo quanto para recursos audiovisuais diferentes.
Acho que tem todo um campo a se explorar acerca da maneira como
consumimos, aprendemos e jogamos RPG. RPG é um jogo louco porque em geral ele
só existe enquanto é jogado, né? O suporte em livro são apenas as regras, e
existe ainda hoje essa distinção entre o jogo escrito (o livro de regras) e o
jogo jogado (a experiência na mesa). No Movin’ On Solo, quis borrar essa
divisão e propor que o jogador não precisaria saber nada, em absoluto, sobre as
regras antes de jogar. E isso só seria possível em uma plataforma eletrônica.
7.
Como foi o desenvolvimento dessa versão online?
Cara, foi um desafio tremendo, não posso mentir. A plataforma que eu
escolhi (Twine) facilita bastante o trabalho, mas tive que estudar um pouco da
linguagem de programação dela, suas limitações e recursos, e sua lógica de
construção. Mas também foi muito satisfatório. A cada nova passagem que eu
montava, conseguia imaginar a experiência do jogador passando por aquelas
situações…
A própria proposta para o jogo mudou bastante ao longo do
desenvolvimento. Ela quase virou um livro-jogo por um momento, mas em uma certa
altura me deu um estalo de como transformar essa estrutura eletrônica em um
sistema de RPG solo completo, em que fosse possível vivenciar aventuras
completamente diferentes a cada vez que se joga. Desse momento em diante, o
desenvolvimento fluiu muito rápido.
E, claro, gastei um tempo absurdo escolhendo as fontes, os fundos de
tela e as cores, para que esses elementos também fossem capazes de guiar o
jogador pela experiência. As músicas foram o toque final, e eu tentei escolher
texturas sonoras que condissessem com cada momento do jogo: uma falha, um
sucesso, uma tensão maior. É um baita trabalho, mas é muito gratificante.
8.
Quais obras – filmes e livros, ou mesmo séries – você acredita que tem o
mesmo clima que o Movin’ On solo é capaz de passar?
Esse foi mais um dos desafios de desenvolvimento, porque eu pessoalmente
não sou um consumidor desse tipo de ficção. Então, para reproduzir os chavões
do gênero, eu passei um bom tempo pesquisando na internet e também assistindo a
série Slasher, do Netflix, que me parece congregar vários dos clichês do
gênero.
Mas acredito que o Movin’ On Solo emula bem uma parte desses filmes como
Sexta-feira 13 ou A Hora do Pesadelo, nomeadamente aquele momento em que apenas
uma das vítimas se vê sozinha fugindo do perseguidor. Essa cena da pessoa
correndo, sem fôlego, era o que eu tinha gravado no fundo da cabeça durante
todo desenvolvimento do jogo.
9.
Falando especificamente sobre o RPG solo, Cezar, como foi seu primeiro
contato com essa modalidade?
Foi até anterior à modalidade em grupo, apesar de eu não saber disso à
época. Quando estava na sétima série, encontrei na biblioteca da escola alguns
daqueles livros da série ”Escolha a Sua Aventura”. Devorei todos em algumas
semanas. Depois disso, passei a fazer experiências parecidas com mundos que eu
mesmo criava. Desenhava o mapa de fantasia e ia tomando as decisões dos
personagens, sem nenhuma regra ou sistema.
Só muito tempo depois eu vim a saber dos sistemas de RPG solo
propriamente ditos; quando li Ironsworn, me apaixonei imediatamente. Pouco
tempo depois, descobri o grupo RPG solo por meio de um comentário que você fez
no grupo Indie RPG. Daí sim mergulhei de cabeça e até hoje investigo os limites
do potencial dessa modalidade.
10.
Quais seus RPGs solo favoritos?
Ironsworn tem um lugar guardado no meu coração. Acho a construção do
jogo como todo fantástica, e é minha referência para diversos projetos que
desenvolvo (inclusive para o oráculo de Movin‘ On Solo). Agora me apaixonei
pelo Ronin. Acho que o Tiago acertou a mão nessa proposta. É o tipo de jogo
solo que mais me atrai: aquele em que se criam narrativas com drama,
profundidade de personagem e conflitos interpessoais, tudo surgindo
naturalmente porque o sistema te dá essas ferramentas (a tal da narrativa
emergente). Simplesmente fantástico! Fiquei muito feliz com o resultado do
financiamento coletivo, e não vejo a hora de ter minha cópia.
11.
Aqui, finalmente, um espaço que é todo seu! Pode colocar contatos, falar
de suas outras criações, discursar sobre o universo...ou mesmo fazer tudo isso
ao mesmo tempo. Seja livre, cara, o espaço é seu!
Nós humanos somos concebidos para criar
e contar histórias. Desde os mitos tribais passados de geração para geração ao
redor da fogueira até os grandes épicos cinematográficos, nós temos essa
necessidade intrínseca. Tanto é que quando vamos dormir e descansar, o que o
nosso cérebro faz? Cria mais histórias, que vivenciamos pelos sonhos.
Estou dizendo isso para convidar os
leitores do seu blog a sempre vivenciar novas histórias. Experimentem, convidem
novos jogadores, joguem novos sistemas. Na minha opinião, RPG só é nicho por
falta de exposição e oportunidade, porque o fascínio pela criação coletiva ou
individual de mundos e histórias está amarrada em nosso subconsciente desde que
a gente é gente. Joguem mais. Joguem sempre.
Se quiserem conhecer meus joguinhos,
podem visitar a página do Not A Giraffe Studio no facebook ou me chamar nas
interwebs da vida. Se for pra falar de game design, então, não tem tempo ruim!
Obrigado pelo espaço, Tarcisio, e pelo
trabalho diligente que você faz pelo nosso hobby querido.
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