segunda-feira, 29 de abril de 2019

Entrevista com Rafael Lopes Vivian, criador do Épico RPG

E hoje apresento mais uma entrevista com um autor nacional!
Converso um pouco com o Rafael Lopes, que criou o Épico RPG, um sistema muito bacana e bastante completo, que possibilita que se realize aventuras dentro de qualquer cenário e proposta. Unindo regras ao mesmo tempo avançadas e acessíveis, trata-se de um excelente RPG!

Sem mais delongas...

Vamos lá então!
Como sempre, SEMPRE, sem cortes e edições!!!


Imagens dos artistas a seguir publicadas sob licença Creative Commons Atribuição 4.0 (creativecommons.org/licenses/by/4.0).
Fernando Correa fernand0fc.deviantart.com
Mark Wester markwester.deviantart.com
Michael Richards butteredbap.deviantart.com
Tarakanovich tarakanovich.deviantart.com
Artes editadas com alterações de elementos, corte e cores.


1-    Olá! Gostaria que você nos contasse como foi seu primeiro contato com o RPG, e como você decidiu escrever seu próprio sistema!

Oi Tarcísio! Obrigado pela oportunidade de estar no seu canal!

Meu primeiro contato com RPG foi inusitado. Quando eu tinha uns 11 ou 12 anos (portanto em meados de 1993, lá pela 5ª série), havia um colega na escola que inventava jogos de interpretação totalmente da cabeça dele, pra jogarmos no recreio ou discretamente durante a aula. Ele desenhava mapas de pequenas cidades, e eu “andava” pelas cidades dizendo o que eu queria fazer, investigando cada canto do mapa. Tinha um plot de uma organização conquistando o mundo, viagem no tempo, passado, futuro, uma loucura. Todo sistema era sem dados, eu atacava os inimigos dizendo “eu atiro! Agora eu me abaixei atrás da escrivaninha!”, e ele ia fazendo o mesmo, imagina isso. Eu até hoje não sei de onde esse cara tirou essas ideias, mas jogamos muito. Depois o mesmo cara me apresentou a série Aventuras Fantásticas, em seguida comprei o D&D da Grow e quase todos RPGs que foram sendo lançados no Brasil, fui um ávido colecionador de RPG.

Eu tenho a impressão que essa ideia de fazer seu próprio RPG aparece pra todo mundo que gosta muito do hobby. Entre meus amigos, todos tiveram esse desejo em algum momento. Às vezes a gente só queria mudar coisas em RPGs que já existiam. Outras vezes a gente nem sabia direito o que queria, só queria fazer um RPG nosso. Quando éramos bem jovens, ainda nos anos 90, meu grupo chegou a tentar, mas não foram longe. Eu nunca quis arriscar (antes do Épico) por achar que não teria condições ou dedicação, eu sabia que precisava escrever muito pra completar um jogo.

2-    Como foi o processo de criação do Épico RPG? Foi uma coisa lenta, cheia de mudanças, ou o sistema já surgiu “mais ou menos” pronto?

Tendo colecionado e testado muitos sistemas, eu via muitas coisas inconsistentes em todos os jogos que eu jogava. Isso estava me incomodando. Os grandes RPGs publicados no Brasil vêm com problemas que eu acho frustrantes e, pessoalmente, acho muito chato precisar inventar “regras da casa”.

Vou dar um exemplo. Por muito tempo jogamos GURPS, porque gostávamos da letalidade no combate, mas GURPS me irritava principalmente pela granularidade desnecessária em tudo, em nome do “realismo”. Mais de 10 tipos de dano (pelo menos 5 tipos de “perfuração”), 10 níveis de beleza e feiura, velocidades com casas decimais, uma pilha de manobras que não funcionam pelas rodadas picadas de apenas um segundo, e com tudo isso (e eu sei que a maioria dos que jogam GURPS vai discordar), o jogo não é realista. Então, um belo dia eu postei um documento sobre isso nos fórums da SJ Games para ver se mais gente pensava como eu. Embora a maioria dos jogadores de GURPS esteja plenamente satisfeito com o jogo, eles não foram capazes de negar o que eu vi de errado, ele só ignoram esses problemas porque não fazem uma pausa pra avaliar e se perguntarem se o jogo realmente faz sentido – e muito preferem jogar quebrando regra atrás de regra o tempo inteiro. São problemas enormes em um jogo que está aí há mais de 30 anos, por que não arrumam?

A partir daí comecei a estudar diferentes sistemas mais a fundo. Eu queria regras elegantes, interpretação que fizesse sentido, opções de combate tático da vida real, sem os muitos defeitos de jogos realistas (granularização, regras excessivas e "duras", dificuldade de aprendizado), sem os problemas dos jogos tradicionais (custo alto, dados bobos que o cara precisa colecionar, classes que impedem a liberdade criativa), e sem focar em rótulos vazios dos RPGs independentes da moda (“rules-light”, “sandbox”, “hack” disso e daquilo, “veloz e furioso”).

Ali por 2015 achei que tinha uma boa base e o desenvolvimento pegou impulso. Em metade de 2016 saiu esse jogo 100% nacional, sem amarras, robusto sem ser difícil de aprender, flexível, avançado, para qualquer cenário e gênero.

Eu fiz poucas modificações à estrutura básica do jogo durante o desenvolvimento. Depois que decidi a matriz de atributos, custos, danos, essas coisas, a matemática era fácil para expandir para o resto das regras. Eu faço pequenas correções de acordo com o feedback de jogadores, mas dei a sorte de não ter errado por muito na matriz inicial.

Arte por Michael Richards (michael-richards.co.uk), publicada sob licença Creative Commons Atribuição 3.0 (creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0). Arte editada: recorte, brilho, saturação.


3-    Como você apresentaria o Épico RPG para alguém que nunca ouviu falar dele?

O Épico RPG é um jogo de interpretação avançado para qualquer gênero de aventura. Ele é bastante flexível e, partindo de uma mecânica simples com dois dados de seis faces, expande para um sistema razoavelmente realista, equilibrado e tático, cheio de opções de combate inspiradas em situações reais.

“Realista” não quer dizer que ele não funcione bem com fantasia, super heróis, etc. Eu gosto de usar a expressão “realismo de ação”: cada herói consegue enfrentar grandes perigos porque tem talento extraordinário, age com inteligência e tem precisão. O risco é alto sempre, mas isso faz parte da emoção da aventura!

Pra quem conhece o jogo, é rapidinho criar personagens, também lancei um aplicativo criador de personagens que ajuda muito. Aliás, posso me orgulhar da Ficha Épica ser o primeiro aplicativo oficial de um RPG nacional! É totalmente grátis na Play Store para Android (e outros aparelhos podem acessar o app pela web, no site do Épico RPG).

4-    Em sua opinião, quais as principais vantagens de um sistema de regras genérico?

Acho que a principal vantagem é poder inventar seu próprio cenário ou adaptar cenários que não existem oficialmente. Isso é mais fácil em sistemas genéricos avançados e detalhistas. Digamos que o grupo queira jogar uma campanha no universo de um romance, filme ou HQ/mangá famoso. Muitos cenários não têm seu RPG próprio. Aí o mestre pega um sistema genérico e, com adaptações mínimas, delimita a criação de personagens e cria sua campanha.

Quem mais gosta do Épico RPG é quem curte os chamados sistemas genéricos, então o jogo foi muito bem aceito nas comunidades de Savage Worlds, GURPS, Mundo das Trevas genérico e Fate. São mestres e jogadores que preferem seu próprio cenário ou cenários famosos sem RPG próprio. Foi assim que meu grupo “de casa” sempre jogou, muita gente gosta disso.

5-    Quais as coisas que influenciaram o Épico RPG? Não falo apenas de RPGs, mas também de livros, filmes, séries…

Toda minha experiência com RPGs influenciou o Épico. GURPS foi uma inspiração mas estudei muito Mundo das Trevas, Shadowrun, D&D e dezenas de outros sistemas que não existem no Brasil.

Toda minha experiência com ficção também contribuiu no desenvolvimento. O sistema de virtudes e defeitos é amplamente inspirado em tropes e poderes de ficção e mitologia tradicional. Eu procurei representar elementos de várias de minhas histórias favoritas, e isso foi me obrigando a adicionar flexibilidade ao jogo. Por exemplo, eu precisava de um sistema de magias que pudesse ser adaptado tão facilmente a cenários de fantasia medieval quanto cenários de sci-fi como Duna, Mass Effect e Star Wars.

Um filme que me inspirou bastante foi A Identidade Bourne, porque me mostrou como fazer um thriller razoavelmente realista. Foi daí que surgiu a ideia de equilibrar o jogo para o que eu gosto de chamar de “realismo de ação”.

6-    Quais são os seus sistemas favoritos?

D&D, GURPS e Vampiro a Máscara são os jogos que eu mais joguei na vida. Para jogos-solo acho que o Aventuras Fantásticas funciona muito bem e também joguei dúzias de livrinhos até meus dados derreterem. Eu joguei Traveller por um tempo, é um jogo complexo, mas o sistema de criação de personagens do Traveller é o meu favorito em todo o universo.

Vou fazer uma menção honrosa a Shadowrun 2ª edição, Reign, Call of Cthulhu, Millenia, Old Dragon, ACKS, Talislanta Savage Land, Tunnels & Trolls e Game of Thrones RPG. Cada um desses jogos tem pelo menos dois ou três elementos muito legais que todo jogo precisa e nem todos têm.

7-    Qual jogo você ainda não jogou, mas gostaria de jogar? Por que?

Eu estudei muitos jogos no desenvolvimento do Épico que eu gostei mas não consigo arrumar tempo ou grupo pra jogar. Coloco na lista a edição brasileira de Shadowrun, Ars Magica, Pendragon, Reign e Talislanta Savage Land, sem qualquer ordem em particular.

8-    Existem planos de mais materiais para o Épico RPG?

Estou pra lançar alguns cenários prontos pra matar a sede de quem quer só “pegar e jogar”.

O foco hoje é num cenário pós-apocalíptico centrado em uma região da América do Sul, cujo título provável será Épico RPG: Apocalipse. O mapa principal do cenário ficou pronto e vou publicar junto com essa entrevista! As regras já estão prontas, só falta finalizar detalhes na ambientação, e depois ilustrar e preparar o livro propriamente dito.

Em paralelo a isso eu estou sempre escrevendo material novo que devo começar a lançar a partir de agora em forma de drops gratuitos no blog do Épico RPG. Comecei em abril com a expansão das raças de fantasia (elfos, anões, trolls, orcs, feroides, vai ter tudo das raças mais tradicionais e cafonas até raças originais do Épico RPG). Em breve deverão sair também pelo menos três mini-cenários prontos, que poderão ser expandidos no futuro conforme a aceitação do público.

Ontem mesmo um amigo me disse que queria adaptar seu cenário próprio para o Épico RPG. Achei essa ideia muito boa, seria mais uma novidade. Espero que ele leia essa entrevista e comece a trabalhar! Hahaha...

9-    O que você acha do mercado atual de RPG, especialmente o mercado nacional?

Esse assunto é complicado.

O que eu mais gosto nesse momento no mercado nacional é a coragem das editoras de investirem em muitos jogos que estão saindo pelo mundo. Algumas dessas editoras começam bem pequenas e precisa ter muita coragem pra investir. Creio que a iniciativa na maioria dos casos deva vir mais do amor pelo hobby do que pela vontade de ficar rico, já que é muito difícil ganhar dinheiro com RPG no Brasil. Eu conheci o Fabiano Neme uns anos antes de lançarem o Old Dragon, e quando soube do jogo, aplaudi muito a iniciativa dele, fui à casa dele pessoalmente buscar a minha cópia do Old Dragon. Eu nem conhecia o jogo ainda, só quis comprar um exemplar pra contribuir e incentivar a empreitada.

Outra coisa legal do momento atual são as iniciativas proativas de autores prolíficos que aproveitaram a explosão do RPG independente para lançar seus jogos próprios. Alguns até conseguiram a atenção das editoras, juntaram forças e acho que nosso mercado pode crescer assim. Pra isso, precisamos aprender a nos unir, e isso não é fácil… muita gente nesse mercado prefere o egoísmo, a arrogância, a falta de respeito e a falta de educação.

Infelizmente, o maior desafio é conscientizar o brasileiro de que, para termos coisas boas, é preciso pagar por elas. O brasileiro médio acha que o normal e justo é piratear todo e qualquer conteúdo. Então, fomentar um mercado assim, trabalhar duro para ter conteúdo legal, de qualidade, não é fácil, porque o retorno é muito incerto. A discussão sobre preços dos jogos é complexa, porque, tradicionalmente, os RPGs que melhor vendem não são os mais baratos, são os mais premium. Ter um RPG barato não aumenta a margem de sucesso porque isso exige edições menos luxuosas, e quem paga por RPG normalmente quer a edição de luxo mesmo. Esse é, provavelmente, o maior desafio das editoras.

Aqui também vai um adendo: este canal, o QuestRPGSolo, é um exemplo de como fazer o mercado crescer de forma saudável, sustentável e prazerosa. Agregar pessoas com educação, com bom papo, atitude positiva. Incentivar a produção local. Trabalhar mais pelo jogo e menos pelo ego.

Então acho que a moral da história é que, para o mercado crescer, todo mundo vai ter que se esforçar ainda mais, e se ajudar um pouquinho mais. Fazer sua parte.

10- Aqui o espaço é livre para falar o que você quiser. Pode dar dicas, fazer jabá, ou até mesmo criar novas perguntas para que você mesmo responda!

Acho que já falei pra caramba ao ponto de entediar a todos, então não vou inventar nenhuma pergunta, haha…

Pra quem quiser conhecer e jogar o Épico RPG, o manual completo é grátis pra baixar em www.epicorpg.com.br.



O mesmo livro está disponível no Dungeonist na modalidade “pague-quanto-quiser” ( https://www.dungeonist.com/produto/epico-rpg/ ). Qualquer contribuição por ali incentiva o desenvolvimento do conteúdo que está por vir, então é bem importante para a evolução do jogo. 5 reais compram um café expresso, e muitos litros de café expresso são usados no desenvolvimento.

O Épico RPG tem uma versão de impressão sob demanda que também contribui com o desenvolvimento, sem contar que é um RPG bem completo para esse baixo preço de tabela. Você pode comprar o impresso sob demanda no Clube de Autores ( https://clubedeautores.com.br/livro/epico-rpg-beta-final ).

Outra forma de contribuir é só contando a todos sobre o Épico RPG. Posta sua foto do livro ou da sessão de jogo na rede social, compartilha nosso conteúdo por aí, dá 5 estrelas pro Épico no Clube de Autores e Dungeonist, dá 5 estrelas para a Ficha Épica na Play Store, tudo ajuda a tornar o Épico RPG mais famoso e me obriga a produzir mais conteúdo para atender à demanda! ;-)

Bom, acho que era isso. Lhe agradeço mais uma vez Tarcísio pelo espaço. Seu canal cresce porque você luta a boa luta, parabéns pela iniciativa e sucesso para você.

Abraços e bons jogos a todos!

Um comentário:

  1. jogo epico a um ano e me identifiquei muito com a entrevista, lendo agora intendi porque gostei tanto do sistema.
    jogo no meu próprio mundo de fantasia medieval (inspirado em Final fantasy) que ja adaptei para vários sistemas e ha um ano chegamos ao epico Rpg uma maravilha brasileira.

    ResponderExcluir

Entrevista: Artista e criadora de jogos Fernanda Bianchini

 Olá, pessoal, tudo bem com vocês? Hoje venho animadíssimo com mais uma grande entrevista. Dessa vez com a artista e criadora de jogos (e mu...