Sim. E com um título enorme e despretensioso desses que começo essa matéria. Mas antes uma pequena
contextualização para quem cair aqui de paraquedas.
É bem simples, na verdade.
A Amazon estreiará a série “Os
Anéis de Poder” em setembro. A série é ambientada dentro da Segunda era do
universo fantástico de Senhor dos Anéis do grande Tolkien, o maior escritor de
fantasia de todos os tempos.
O que acontece é que uma parte
enorme da fanbase do autor – a maior parte, eu diria – tem se posicionado
duramente contra certas decisões dos produtores. Alguns argumentam que as
escolhas descaracterizam a obra original, ao passo que outros chegam inclusive
a ver “decisões” políticas por trás de certas escolhas (o que eu particularmente acho muito problemático...toda vez que entram pessoas negras em QUALQUER coisa, logo aparece a galera chamando de politicagem e "lacração" (a palavra mais merda que conheço...sempre se tem uma desculpa "histórica/cultural/literária pra justificar a não-presença de negros em alguma coisa)).
Contextualização feita, vamos dar
uma olhada no rock e no metal, em especial como o comportamento dos fãs ao
longo das décadas contribuiu GRANDEMENTE para que o gênero passasse de revolução
cultural multimilionária midiática até o que é hoje, um estilo de nicho onde apenas 1 dúzia
de bandas (talvez nem isso) ainda consegue lotar estádios e permanecer em evidência na mídia.
Por quase mais de 3 décadas o
rock esteve em evidência. Nos anos 60/70 astros como Beatles, Led Zeppelin e
Pink Floyd literalmente nadavam em rios de dinheiro e popularidade. Os anos 80
trouxeram o heavy metal tradicional e o hard/glam rock, e outras tantas bandas
também galgaram o caminho rumo a um estrelato absurdamente grande.
Nos anos 90 o grunge do Nirvana
veio com tudo, também provocando outra revolução.
As bandas das décadas passadas
continuaram a fazer sucesso, e aí chegamos nos 2000...
E algo de errado não parecia
estar certo.
Ainda que as bandas clássicas
estivessem ainda poderosas e ricas, era cada vez mais difícil ver algum
movimento ou conjunto que realmente se destacasse para além do underground e da
cena em que estavam.
O New Metal apagou-se com a mesma
intensidade com que havia aparecido (poucas bandas dessa onda continuam a serem
relevantes do ponto de vista do mercado), e chegou os 2010...
O Rock e o metal Mainstream
começaram a fraquejar grandemente. Até mesmo bandas famosas começaram a ver a
multidão de seus shows diminuindo ano após ano. Poucas bandas se destacavam
para além da bolha underground, e os nossos heróis das décadas passadas estavam
simplesmente...envelhecendo e morrendo.
E chegou a década de 2020.
Para vocês terem uma idéia, os
dias de Rock e de Metal da última edição do ROCK’N RIO foram os últimos dias a
terem a venda completa de ingressos.
TODAS as bandas consideradas
clássicas dentro do Rock e do Metal estão beirando a ou já entraram na terceira
idade. Recentemente, O vocalista James Hetfield do Metallica deu uma entrevista
dizendo que algumas musicas antigas da banda não estão no setlist de shows
simplesmente porque eles não conseguem mais toca-las.
Mas a pergunta é: O QUE DIABOS
ISSO TEM A VER COM A SÉRIE DE SENHOR DOS ANÉIS?
Tudo.
Uma das coisas que mais
atrapalhou o cenário do metal foram os fãs.
E acho que posso falar isso com
propriedade. Já fui literalmente em dezenas e dezenas de shows ao vivo de
bandas grandes (Rush, Lynyrd Skynyrd, Pearl Jam, Helloween, Bom Jovi, etç) e
escrevo regularmente para o Whiplash, o maior portal de rock e metal do país.
É muito difícil lidar com o fã de
metal e rock. Qualquer mínima mudança que a banda fizer em sua sonoridade ou
identidade estética vai suscitar um ódio mortal do fã, que vai fazer questão de
ir em TODO POST relacionado para despejar seu hate.
Outra coisa é a total
incapacidade da maioria dos “tiozões” do metal de acompanharem a cena e
reconhecerem novas bandas. Eu estava lá em São Paulo quando o BLACK VEIL BRIDES
subiu no palco e antes sequer de começar a primeira música, o publico começar a
tacar latinhas e xingar a banda porque “não era banda de verdade”, em um dos
eventos mais ridículos e lamentáveis que infelizmente tive a oportunidade de
presenciar.
E não conseguiria contar quantas vezes
eu fui em festival de bandas novas e na fila tinha a galera lá falando como as
bandas que iriam se apresentar não eram nada comparada as “clássicas”.
Quer ver o fã de metal ficar nervoso
é ver alguma celebridade “comum” usando camisetas de banda.
O cara também espuma quando
bandas de rock aparecem em programas populares. Aqui no Brasil, faziam piada
com a banda Shaman por ter virado tema de novela da globo.
O hedbanger tradicional teve uma
dificuldade imensa de aceitar a transição da mídia física para os streamings, e
até hoje uma quantidade enorme de fãs ainda se agarram a mídia física e
desprezam o digital, mesmo sendo hoje as plataformas de Streaming uma fonte de
renda para a banda bem maior que a lojinha lá do centro que vende CD a 70
reais.
Verdade é que TAMBÉM por conta
disso (claro que com outros fatores envolvidos) não houve uma renovação no
cenário metal capaz de manter o estilo em alta. A quantidade de jovens metaleiros é grande, mas não grande o suficiente para renovar o estilo na grande mídia.
E hoje é possível sim dizer que o
rock e o metal foram rebaixados a ser um fenômeno de nicho.
Quando bandas como Bom Jovi, Iron
Maiden, Metallica, Megadeath, Kiss e Guns And Roses definitivamente se
aposentarem – e nenhuma dessas vai durar mais 10 anos, no máximo 15 em
atividade – NÃO vai ter uma renovação no mainstream.
O underground do rock continua
maravilhoso. Mas no mainstream, o metal vai praticamente desaparecer.
E aí voltamos para essa fúria dos
fãs e o discurso de DEIXEM OS CLÁSSICOS em paz.
O que o fã de metal não conseguiu
entender é que quando o Metallica lançou os odiados discos LOAD e RELOAD, os
clássicos anteriores não deixaram de existir. Até hoje dá pra comprar o
primeiro disco do Metallica em menos de 1 minuto.
Quando o Blaze Bayley entrou para
o Iron Maiden, o disco THE NUMBER OF THE BEAST não desapareceu misteriosamente
das prateleiras das lojas e nunca mais tocou em lugar nenhum.
O próprio Black Album do
metallica sofreu rage dos fãs no início. E hoje só o que os caras ganham com
aquele álbum até hoje dá pra comprar muitas mansões, e é considerado um
clássico não só do heavy metal, mas da música como um todo. Mas ainda assim,
entre o Black Albúm e o Kill’Em All tem uma diferença enorme. A banda mudou
sim.
O fã do Tolkien precisa entender
que a obra do Tolkien está escrita, lançada, é conhecida no mundo inteiro, e
nada pode manchar ou estragar a contribuição do cara para a literatura. Nenhuma
série vai fazer as edições do Silmarillion ou do Senhor dos Anéis desaparecerem
das estantes. Nenhuma série pode fazer os acadêmicos em Tolkien esquecerem tudo
que seus estudos descobriram.
Um clássico continua existindo.
Ao se posicionar EXATAMENTE como
os fãs de rock e metal se posicionaram, eu realmente temo que leve até o mesmo
fim: hoje a fantasia está em alta na grande mídia. Muitas obras são adaptadas
todos os anos, algumas com bons resultados, outras não.
O fã chato é pior que o detrator distante. Poucas coisas afastam mais alguém de algo do que o fã chato.
O máximo que pode acontecer é da
série ser ruim. E só. Não vai estragar o legado do Tolkien. Não vai fazer a
trilogia do Peter Jackson desaparecer dos serviços de Streaming.
Esse rage antecipado a algo que
ainda nem assistiram, se se perpetuar e “vazar” para outras produções, vai
chegar uma hora em que as produtoras vão simplesmente parar de tentar trazer esse
tipo de conteúdo.
A chance de que por conta desse
rage descabido – a série ainda nem estreou e NINGUÉM assistiu um ÚNICO episódio
da parada, então é descabido sim – o futuro promete ser com muito mais Crepúsculos
e series genéricas de super heróis do que um futuro cheio de produções de
fantasia.
Nessa hora o fã de Senhor dos
Anéis com certeza está argumentando: “Ahhh, mas então eu TENHO que gostar de
tudo que eles fazem, sem reclamar?!?!?”
Logico que não. E se você
entendeu isso lendo até aqui, você é um completo idiota.
Só digo que é muito perigoso se
colocar contra algo que ainda não se viu, não se assistiu, se apoiando no
argumento “Não mexam nos clássicos”.
Mexer nos clássicos seria pegar o
livro original, fazer mudanças nele, queimar todos os registros da versão
original e deixar disponível apenas essa versão alterada.
E me desculpem, mas uma série de
tv não faz isso com o material original.
Acabei de entrar no site da própria
AMAZON e achei mais de 10 edições diferentes dos livros originais do Tolkien,
com preços variando do razoável até o absurdo.
E durante a exibição da série,
mesmo se for uma merda, esses livros continuarão ali. E depois dela também.
E se for ruim, é só não assistir
depois de constatar.
Se esse pensamento de “NÂO MEXAM
NOS CLÁSSICOS” fosse seguido a risco, estaríamos ainda presos no inicio da Alta
idade média, tendo apenas a bíblia escrita em Latim como companhia.
Deus me livre disso.