terça-feira, 20 de julho de 2021

Conto - Sinistro Despertar (Danilo Faria)

Sinistro Despertar

Sinistro Despertar- Danilo Faria

(Originalmente publicado no blog Universo Germinante)
ellington chegou a se perguntar o que estava fendo ali

Lá estava o gigantesco casulo. De longe, ele não parecia tão imponente. Mas mesmo à aquela distância, podia-se sentir o pulsar de sua energia vampirizante que emanava na região. O casulo devia ter quilômetros de altura, seu brilho – entre o vermelho e o negro – tinha um tom sinistro que provocava dores em qualquer um que se aproximava dele. Mesmo quem estivesse em afinidade com os objetivos daquela que adormecia no seu interior sentia o incomodo e o medo profundo que suas vibrações densas provocavam.


Mas, naquele perímetro de distância razoavelmente segura, uma batalha se desenrolava. Duas facções combatiam ferozmente em meio às paisagens oníricas do plano astral, pelo direito de domínio sobre aquilo que repousa no casulo. Disparos de energia astral, acompanhados de escudos psíquicos defensivos criavam um efeito de luzes e cores das mais diversas, que iluminavam o local com as cores da ganância e da esperança.


Alguns elementais locais fugiam em pânico na tentativa de se preservarem das mortíferas rajadas, enquanto outros observavam com certa ousadia na esperança de aprenderem sobre este estranho ser que era o Ser Humano. Alguns iriam sair dali com valiosas lições...


Tentáculos em forma de uma névoa negra pareciam sair do casulo e atravessavam dimensões. Apenas aqueles que tinham olhos de ver percebiam como estes tentáculos surgiam nos céus do interior do Brasil e cravavam em determinados locais: fazendas, bares, pontos de caminhoneiros e outros que serviam de alimento para a coisa que, semi-adormecida, repousava no casulo.


Enquanto isso, a batalha continuava feroz. Para Wellington era a coisa mais assustadora que ele já havia visto na vida. Ele lutava por sua vida e pela vida de milhares, talvez milhões de pessoas que dependiam de sua vitória. Observando seu Tutor disparar uma rajada psíquica que arremessou um dos centriarcas, ele se pergunta de onde este tirava tanta coragem. Não teve tempo para pensar muito, quando percebeu um centriarca avançando em sua direção com um machado feito de puro ódio, pronto para arrancar sua cabeça.


(Quer dizer, ninguém tem uma cabeça no plano astral. Não no mesmo sentido que no físico, ou mesmo no etérico. Era apenas uma representação daquilo que seria o centro de seus pensamentos. De qualquer forma, perder isso com uma machadada de ódio não seria uma experiência agradável...)


Wellington reage por puro instinto. Ele simplesmente corta sua projeção do astral e reaparece no seu corpo físico. Por sorte, quando ele e os outros partiram para o combate, estavam em uma Loja. Os corpos dos que partiram para o Sono da Alma apresentavam faces apavoradas e vazias. Por um momento, ele vê pela janelinha simples de madeira dois homens que têm seu carro fechado por uma caminhonete. Ele reconhece os dois homens dentro do carro. Eram ativistas que tentavam acabar com a escravidão em algumas fazendas locais. Já sabiam que – além da escravidão em fazendas – os mesmos responsáveis estavam envolvidos em tráfico de escravas brancas para a Europa e no uso de meninas e meninos em escravidão sexual em bares e postos locais.


Wellington percebeu também o sinistro tentáculo negro-avermelhado que empurrava a caminhonete com os assassinos que acabavam de fechar o carro dos ativistas. Mas não teve tempo de reagir para ajuda-los, pois o centriarca o seguiu.
Que idiota! Ele o seguiu até a sua Loja!?!


O sorriso cruel no rosto do inimigo desapareceu assim que percebeu que seus shiddis não funcionavam corretamente ali. Wellington estava apavorado e enfurecido demais pela batalha para perdoar um erro destes. Em menos de um segundo, concentrou-se e gerou adrenalina e noradrenalina o suficiente para que sua força e agilidade ficassem bem acima do normal. O centriarca ainda percebeu o que ocorria lá fora e tentou gritar por ajuda, mas não teve chance. Morreu estrangulado em meio aos seus gritos sufocados.


Reanimado por essa vitória e percebendo que os ativistas estavam sendo retirados do carro para serem mortos no meio da rua mesmo, Wellington destrói o cadáver de seu inimigo e parte novamente para o plano astral. Ele ainda chega a tempo de ver a partícula anímica residual do centriarca ser sugada em direção do sinistro casulo, para ser consumida.


A luta não ia nada bem. Apenas seu Tutor e mais um outro Iniciado estavam ainda conscientes, lutando por suas vidas, cada um ocupado com dois oponentes. Assim que vê Wellington, o Tutor grita para que este interrompa o ritual. Wellington olha para o lado indicado e percebe um grupo de centriarcas em círculo, se concentrando. Energias psíquicas saíam do círculo e emanavam na direção do casulo. Os tentáculos começavam a chicotear freneticamente e pequenas rachaduras começavam a aparecer no casulo, emanando delas um brilho negro-avermelhado.


A Egrégora da escravidão estava despertando novamente diante de um mundo indefeso.


Wellington se desloca rapidamente na direção do ritual. Mas dois dos Centuriões centriarcas o atacam. Ele tenta se defender, mas infelizmente, mesmo não completamente acordada, a Egrégora já começava a ajudar aos seus aliados. Tudo estaria perdido em minutos. Eles precisavam de um milagre, mas Iniciados não acreditam em milagres...


Só que – de certa forma – este aconteceu. Wellington sentia sua consciência se esvaindo quando uma poderosa rajada destrói a forma psíquica de um dos centriarcas que o atacavam. O outro se virou, mas não teve tempo para sequer soltar um grito antes de ter sua forma dizimada igualmente.


(Não, ninguém grita no astral da mesma forma que se grita no físico. Mas para aqueles que já viajaram por este plano é fácil saber que temos a sensação de ter gritado e mesmo de “ouvir” o som do grito.)


Outros Iniciados chegaram, com a Egrégora da Liberdade lhes dando cobertura.


O jogo virou rapidamente. Por mais poderosa que possa parecer, uma Egrégora adormecida não é páreo para outra acordada. Revitalizados e com a presença dos reforços, os Iniciados venceram rapidamente uma batalha que parecia perdida.

* * *

Já novamente na Loja, descansado, Wellington fica feliz com o que vê no telejornal. No momento em que estavam para ser executados no meio da rua, surgiu um grupamento do Batalhão mais próximo e salvou os ativistas (uma óbvia interferência da Egrégora). Os assassinos foram presos e entregaram os mandantes. As notícias sobre cativeiros sendo desmontados e quadrilhas descobertas corriam o mundo.


Mesmo assim, seu Tutor alerta para o fato de que a guerra não havia terminado. Foi uma vitória importante e decisiva, mas não definitiva. O posto deveria ser ocupado novamente. Wellington é voluntário para um primeiro turno.

* * *

Em meio ao plano astral, a uma distância segura, Wellington observa o casulo. Tentáculos ainda saem dele e as pequenas rachaduras que se formaram com o ritual dos centriarcas pareciam estar cicatrizando. Os elementares que servem a Egrégora da Liberdade rodopiavam o perímetro ajudando Wellington em sua patrulha.


Mesmo feliz com a vitória de hoje, Wellington não deixava de sentir o pulsar da energia sinistra que saía do casulo. Ele se perguntava se uma Egrégora sonhava e – em caso de resposta positiva – que tipo de sonhos sinistros ela estaria tendo agora. Rapidamente, afasta esses pensamentos. Seu papel não é o de alimentar temores. Ele tinha um motivo para estar ali e não era o de divagar com pensamentos tenebrosos. Ele estava ali para vigiar; vigiar inclusive os seus pensamentos.


Wellington sabia. O preço da liberdade é a eterna vigilância.

SINISTRO DESPERTAR foi escrito por Danilo Faria


sábado, 10 de julho de 2021

Como dar o feedback para um autor de RPG

 Fala, galera!

Muitas vezes, no mundo da criação independente, é comum esbarrarmos em obras que, dentro da nossa percepção, poderiam ser aprimoradas, ou ainda com materiais com alguns erros mais fundamentais como erros gramaticais e de digitação.

(Imagem totalmente aleatória...acordei com essa melodia tocando na minha cabeça)

Uma vez que o UNDERGROUND está aberto a todos, é comum que a falta de experiência leve a certos erros ou equívocos.

Mas uma vez que identificamos algo que na nossa visão é um problema, defeito ou ponto fraco do material, qual seria a melhor forma de abordar o criador do material sobre isso?

Seguem aqui algumas dicas. 

Não são verdades absolutas, e acima de tudo reflete a forma que EU gosto de ser abordado. Não tem a intenção de representar o que pensa TODO criador, que fique claro.

Vamos lá então.

Dica 1

ABORDE O AUTOR NO PARTICULAR

Desde o século 5 a Regra de São Bento, o documento que regula a vida dos monges beneditinos há 16 séculos já falava ser essa a melhor maneira. Nada de chegar num post do autor. Mesmo se você estiver com a melhor das intenções. Só haja dessa forma se o autor EXPRESSAMENTE abrir essa possibilidade (como um post pedindo isso). Do contrário, aborde apenas no privado.


DICA 2

PERGUNTE SE O AUTOR QUER OUVIR A SUA OPINIÃO

Sei que essa dica soa estranha, mas vamos analisar. Como disse, o cenário UNDERGROUND está aberto a todo mundo. Logo, muita gente irá criar material nessa cena. E temos que entender que as pessoas vão criar jogos com motivações diferentes. Nem todo mundo que apresenta material está tentando ser designer profissional. Talvez a pessoa apenas queira trabalhar a criatividade. Talvez seja só bum hobby totalmente descompromissado. Ou ainda: talvez a pessoa que está mostrando seu material esteja vencendo uma barreira interna muito grande, e esse material, mesmo que cheio de falhas, seja uma conquista imensa para a pessoa. Ou a pessoa talvez simplesmente não queira. Não custa nada ver qual a intenção do autor, basta um mínimo de esforço e empatia. Talvez para aquela pessoa que depois de anos de luta contra a timidez, o bloqueio criativo ou o perfeccionismo, seu feedback apontando falhas - mesmo que reais e verdadeiras - vai servir só pra desanimar.

Então não custa nada perguntar primeiro. O cara que achar o feedback essencial vai dizer que sim, simples assim.


DICA 3

SEJA GENTIL E EDUCADO

Nem deveria estar colocando isso na lista de tão elementar que isso é, mas vivendo em um país onde até o presidente manda as pessoas calarem a boca em coletiva de imprensa, isso se faz necessário.

Não seja um babaca arrogante. Não fale com ar de superior. Se você é um design experiente, lembre-se de onde você começou.


DICA 4

APONTE SOLUÇÕES, NÃO APENAS O PROBLEMA

Chegar e dizer tudo que você encontrou de erros é fácil. Mas isso ajuda menos do que parece.

Aponte soluções. Dê sugestões de como o autor poderia corrigir aquilo. Indique livros e outros jogos como exemplo do que seria um modelo a seguir. Mas seja realista nas indicações. Indicar a leitura de um RPG importado lançado na década de 80 e que custa 500 reais no Mercado Livre vai ajudar tanto quanto uma cenoura,na maioria das vezes.

DICA 5

ENTENDA QUE O AUTOR PODE SIMPLESMENTE IGNORAR SUA OPINIÃO

A obra é dele. Cabe a ele aceitar ou não.

E nem sempre isso é ruim. Mark Rein Hagen, criador do Vampiro A Máscara e de todo Mundo das Trevas sempre fala que TODOS os feedbacks iniciais do Vampiro foram horríveis. Aparentemente, ninguém gostou daquilo. Mas o Mark decidiu que não mudaria nada, e nessa decisão ele simplesmente mudou todo o cenário do RPG na década de 90. Aliás, até hoje ele leva uma vida bem confortável por conta dos royalties dos produtos licenciados do mundo das Trevas, mesmo ele tendo se desligado da White Wolf há décadas.

Penso no que teria acontecido se ele tivesse mudado sua ideia inicial. Provavelmente nada teria acontecido.

Não estou dizendo que o autor deve ser inflexível.

Mas - e agora uma opinião que eu tenho muito internalizada comigo - a decisão final sobre qualquer criação artística ou cultural TEM que ser do criador. E sim, sei que essa é numa opinião polêmica, mas como é o MEU blog, acho justo colocar aqui.

É isso!

Entrevista: Isabella Leão, escritora e game designer

 Olá,  pessoal, tudo jóinha? É com enorme alegria que hoje apresento aqui no blog uma entrevista com a escritora e Game designer Isabella Le...