Essa nova seção trará a republicação de alguns dos melhores contos lá presentes (tarefa praticamente impossível, visto que não há um único conto ruim no catálogo do Universo Germinante).
E mais que isso: O próximo conto será uma obra inédita, cedida à nós pelo próprio autor Danilo Faria!
Não é necessário conhecer o cenário de Maytreia para degustar essa obra prima!
Boa leitura!
Maytréia 9: Sinistro Despertar
Wellington chegou a se perguntar o que estava fazendo ali.
Lá estava o gigantesco casulo. De longe, ele não parecia tão imponente. Mas mesmo à aquela distância, podia-se sentir o pulsar de sua energia vampirizante que emanava na região. O casulo devia ter quilômetros de altura, seu brilho – entre o vermelho e o negro – tinha um tom sinistro que provocava dores em qualquer um que se aproximava dele. Mesmo quem estivesse em afinidade com os objetivos daquela que adormecia no seu interior sentia o incomodo e o medo profundo que suas vibrações densas provocavam.
Mas, naquele perímetro de distância razoavelmente segura, uma batalha se desenrolava. Duas facções combatiam ferozmente em meio às paisagens oníricas do plano astral, pelo direito de domínio sobre aquilo que repousa no casulo. Disparos de energia astral, acompanhados de escudos psíquicos defensivos criavam um efeito de luzes e cores das mais diversas, que iluminavam o local com as cores da ganância e da esperança.
Alguns elementais locais fugiam em pânico na tentativa de se preservarem das mortíferas rajadas, enquanto outros observavam com certa ousadia na esperança de aprenderem sobre este estranho ser que era o Ser Humano. Alguns iriam sair dali com valiosas lições...
Tentáculos em forma de uma névoa negra pareciam sair do casulo e atravessavam dimensões. Apenas aqueles que tinham olhos de ver percebiam como estes tentáculos surgiam nos céus do interior do Brasil e cravavam em determinados locais: fazendas, bares, pontos de caminhoneiros e outros que serviam de alimento para a coisa que, semi-adormecida, repousava no casulo.
Enquanto isso, a batalha continuava feroz. Para Wellington era a coisa mais assustadora que ele já havia visto na vida. Ele lutava por sua vida e pela vida de milhares, talvez milhões de pessoas que dependiam de sua vitória. Observando seu Tutor disparar uma rajada psíquica que arremessou um dos centriarcas, ele se pergunta de onde este tirava tanta coragem. Não teve tempo para pensar muito, quando percebeu um centriarca avançando em sua direção com um machado feito de puro ódio, pronto para arrancar sua cabeça.
(Quer dizer, ninguém tem uma cabeça no plano astral. Não no mesmo sentido que no físico, ou mesmo no etérico. Era apenas uma representação daquilo que seria o centro de seus pensamentos. De qualquer forma, perder isso com uma machadada de ódio não seria uma experiência agradável...)
Wellington reage por puro instinto. Ele simplesmente corta sua projeção do astral e reaparece no seu corpo físico. Por sorte, quando ele e os outros partiram para o combate, estavam em uma Loja. Os corpos dos que partiram para o Sono da Alma apresentavam faces apavoradas e vazias. Por um momento, ele vê pela janelinha simples de madeira dois homens que têm seu carro fechado por uma caminhonete. Ele reconhece os dois homens dentro do carro. Eram ativistas que tentavam acabar com a escravidão em algumas fazendas locais. Já sabiam que – além da escravidão em fazendas – os mesmos responsáveis estavam envolvidos em tráfico de escravas brancas para a Europa e no uso de meninas e meninos em escravidão sexual em bares e postos locais.
Wellington percebeu também o sinistro tentáculo negro-avermelhado que empurrava a caminhonete com os assassinos que acabavam de fechar o carro dos ativistas. Mas não teve tempo de reagir para ajuda-los, pois o centriarca o seguiu.
Que idiota! Ele o seguiu até a sua Loja!?!
O sorriso cruel no rosto do inimigo desapareceu assim que percebeu que seus shiddis não funcionavam corretamente ali. Wellington estava apavorado e enfurecido demais pela batalha para perdoar um erro destes. Em menos de um segundo, concentrou-se e gerou adrenalina e noradrenalina o suficiente para que sua força e agilidade ficassem bem acima do normal. O centriarca ainda percebeu o que ocorria lá fora e tentou gritar por ajuda, mas não teve chance. Morreu estrangulado em meio aos seus gritos sufocados.
Reanimado por essa vitória e percebendo que os ativistas estavam sendo retirados do carro para serem mortos no meio da rua mesmo, Wellington destrói o cadáver de seu inimigo e parte novamente para o plano astral. Ele ainda chega a tempo de ver a partícula anímica residual do centriarca ser sugada em direção do sinistro casulo, para ser consumida.
A luta não ia nada bem. Apenas seu Tutor e mais um outro Iniciado estavam ainda conscientes, lutando por suas vidas, cada um ocupado com dois oponentes. Assim que vê Wellington, o Tutor grita para que este interrompa o ritual. Wellington olha para o lado indicado e percebe um grupo de centriarcas em círculo, se concentrando. Energias psíquicas saíam do círculo e emanavam na direção do casulo. Os tentáculos começavam a chicotear freneticamente e pequenas rachaduras começavam a aparecer no casulo, emanando delas um brilho negro-avermelhado.
A Egrégora da escravidão estava despertando novamente diante de um mundo indefeso.
Wellington se desloca rapidamente na direção do ritual. Mas dois dos Centuriões centriarcas o atacam. Ele tenta se defender, mas infelizmente, mesmo não completamente acordada, a Egrégora já começava a ajudar aos seus aliados. Tudo estaria perdido em minutos. Eles precisavam de um milagre, mas Iniciados não acreditam em milagres...
Só que – de certa forma – este aconteceu. Wellington sentia sua consciência se esvaindo quando uma poderosa rajada destrói a forma psíquica de um dos centriarcas que o atacavam. O outro se virou, mas não teve tempo para sequer soltar um grito antes de ter sua forma dizimada igualmente.
(Não, ninguém grita no astral da mesma forma que se grita no físico. Mas para aqueles que já viajaram por este plano é fácil saber que temos a sensação de ter gritado e mesmo de “ouvir” o som do grito.)
Outros Iniciados chegaram, com a Egrégora da Liberdade lhes dando cobertura.
O jogo virou rapidamente. Por mais poderosa que possa parecer, uma Egrégora adormecida não é páreo para outra acordada. Revitalizados e com a presença dos reforços, os Iniciados venceram rapidamente uma batalha que parecia perdida.
* * *
Já novamente na Loja, descansado, Wellington fica feliz com o que vê no telejornal. No momento em que estavam para ser executados no meio da rua, surgiu um grupamento do Batalhão mais próximo e salvou os ativistas (uma óbvia interferência da Egrégora). Os assassinos foram presos e entregaram os mandantes. As notícias sobre cativeiros sendo desmontados e quadrilhas descobertas corriam o mundo.
Mesmo assim, seu Tutor alerta para o fato de que a guerra não havia terminado. Foi uma vitória importante e decisiva, mas não definitiva. O posto deveria ser ocupado novamente. Wellington é voluntário para um primeiro turno.
* * *
Em meio ao plano astral, a uma distância segura, Wellington observa o casulo. Tentáculos ainda saem dele e as pequenas rachaduras que se formaram com o ritual dos centriarcas pareciam estar cicatrizando. Os elementares que servem a Egrégora da Liberdade rodopiavam o perímetro ajudando Wellington em sua patrulha.
Mesmo feliz com a vitória de hoje, Wellington não deixava de sentir o pulsar da energia sinistra que saía do casulo. Ele se perguntava se uma Egrégora sonhava e – em caso de resposta positiva – que tipo de sonhos sinistros ela estaria tendo agora. Rapidamente, afasta esses pensamentos. Seu papel não é o de alimentar temores. Ele tinha um motivo para estar ali e não era o de divagar com pensamentos tenebrosos. Ele estava ali para vigiar; vigiar inclusive os seus pensamentos.
Wellington sabia. O preço da liberdade é a eterna vigilância.
SINISTRO DESPERTAR foi escrito por Danilo Faria
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